terça-feira

Vendedor de flores.


Vendedor de flores, que não abre mão de vender, e não dá. Amou muito, mas nunca disse coisa com coisa quando a amada aparecia diante de seus dentes tortos. Agora com seus idos 60, repassam na memória os bons momentos com a pequena Rosa.
Passa os dias na banca, que leva um letreiro colorido e velho no alto, e com o nome de Florlândia, não havia sido idéia dele este nome, mas não teve vontade de trocar.
- Não é pelo nome que as pessoas vêm, é pelas flores.
Dizia sempre que questionavam a qualidade da velha inscrição na madeira rachada e escurecida.
Via todo o tipo de pessoa passar, e não gostava de nenhuma delas, ou de quase nenhuma, há uma bela moça, que sorri de graça, e compra flores de todo o tipo, sempre uma por vez, e sai com aquele sorriso, e a flor na mão, não sabia o nome dela, mas sabia que ela adorava Dálias roxas, comprava todo tipo de flores, mas de sempre em sempre, olhava todas, dizia que eram lindas, e levava uma Dália roxa.
Abandonou os sonhos há tempos, enterrou junto com um grande amor, tinha raiva de Deus por estar vivo num mundo desses, em que Rosa não mais pode ser vista com seus cachos emaranhados, correndo descalça e recitando poemas pela metade, sempre gostou dos finais que ela inventava, é certo que nunca havia se dado bem com poesia, ou outro tipo de literatura, pois não sabia ler, mas com Rosa era gostoso de ouvir.
Tinham uns tantos cachorros que passavam algumas horas ali com ele, na banca, ate que passasse algo mais cheiroso para seguir, gostava das companhias caninas, não falavam nada, e este fato por si só tornava-os bons companheiros. No mais, a solidão e a saudade eram suas companheiras fieis. Morava num canto do morro, que se levanta atrás dos prédios, acostumado com policia e traficante, pensava sempre que se mereciam um ao outro. E nunca se incomodou com os drogados, deixava passar, às vezes até fazia piada, geralmente não, mas sempre tem aquele dia ou outro que se acorda diferente, e se distribui sorrisos até que a maçante realidade amasse as caras novamente.
Uma vez apareceu um senhor engravatado, que dizia que ele não podia estar ali, que ali era para os passantes passarem, ou algo parecido, mas com um desconto num belo buquê, e mais outro, e mais outro, o homem nada mais falava dos passantes, e assim foram-se indo as semanas, ate que o homem engravatado apareceu sujo, cheirando à cachaça, e dizendo que fora traído, que todo o seu mundo havia desabado. Depois deste dia nunca mais vira o pobre.
Costumava a guardar estas historias, mas agora não mais via motivo para recordar das coisas, era tudo sempre igual, então pra que guardar algo que vai acontecer de novo amanhã? Talvez este tenha sido o aprendizado de sua vida, as coisas sempre se repetem, talvez se veja de um ângulo diferente, mas é a mesma coisa.
Antes ria dos japoneses do restaurante noutro lado da rua, quando saiam pela rua com o rolo de massa na mão, e gritando uns com os outros daquele jeito que só eles sabem fazer, agora perdeu a graça, até irrita um bocado.
Hoje o dia amanheceu chuvoso, e com cara de estragado.
- Ninguém vai querer flores com esse tempo.
Resolve ficar em casa, há anos não ficava em casa numa segunda-feira, era estranho, e o dia com uma cara dessas também não ajuda muito, pensa em voltar pra cama, e ficar lá, e assim faz, volta pra cama, no pequeno trajeto da janela quebrada até cama, abre uma gaveta, uma dessas pequenas que não cabe nada direito, tira um pano com cara de velho, desdobra, pega um colar, que brilha dourado, mas não é ouro, segura firme nas mãos, deita, olha o teto, pensando em Rosa, aperta mais as mãos grossas e fecha os olhos marejados.
Sua respiração vai aos poucos diminuindo, diminuindo, diminuindo...
Até não mais existir.
Assim como o vendedor, ele não existe mais.
Existe apenas um corpo, numa cama, num barraco, sem ninguém para velar, ou chorar pela perda, é apenas um corpo que começa a gerar minúsculas vidas que ninguém batiza ou morre de amores.


11 de Julho de 2011
Carlos Viana.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário